Mulher, por que choras? A quem procuras?

"[...] é uma mulher, uma mulher que viu Deus, que o reconheceu, e que, comparando-lhe a infinita pureza à degradação a que ela desceu, não duvidou de que lhe fosse possível ser perdoada à força de amar. Humilde e escondida após ter achado perdão, não se afasta dos pés que a purificaram."

Assim falava de Santa Maria Madalena o Padre Lacordaire. Certamente, acerca do nome dessa mulher muito já se disse de justo e de injusto. Seguindo na direção oposta à do padre, a Madalena muitos tentam impor como definitivas as máculas que outrora realmente fizeram parte de sua alma, antes de ela vir a conhecer Jesus Cristo. Dessa maneira, então, agem aqueles que não são capazes de ver nas ações santas ou virtuosas nenhum rastro de humanidade; e nós mesmos às vezes comungamos dessa conduta, pois para muitos de nós ser humano é ser sujo, traiçoeiro, vil… pecador afinal. Chegamos a acreditar na fórmula “quanto mais peca, tanto mais é humano”. Entretanto, há certas vidas cuja existência provoca em nós uma impressão toda diferente, toda oposta ao nosso decadentismo.

Cerezo, Mateo. Magdalena

É que, na verdade, nós nos enganamos. Aqueles que mais assumem a própria humanidade não são os pecadores. São os santos. Para viver conforme os desígnios de Deus, que nos fez à sua imagem e semelhança, é necessário trazer a si toda a integridade das palavras ditas por Nosso Senhor, o que não necessariamente vai ser fácil. Trazer a si e viver a Palavra de Deus é padecer, é receber os seus efeitos sem nos preocuparmos com mais nada. Mas amamos a preocupação, sempre defendemos essa inimiga.

Por causa dela, achamos que viver integralmente seja apenas cumprir os próprios juramentos, porque são a “nossa palavra”; ou, então, seguir as deficientes leis dos homens, porque somos “pessoas de bem”. Isso não adianta. As questões deste mundo são fonte riquíssima de motivos para rangermos os dentes de tanta preocupação e, depois, amaldiçoarmos a terra em que pisamos. Eu não acho que tenhamos sido feitos para isto. Pelo contrário, a integridade é algo que se realiza ao seguirmos e vivermos a Palavra de Deus, o Verbo que se fez carne.

Mas será que somos dignos da tarefa, nós que estamos já desorientados por tendências ruins? Será que não é melhor aproveitar logo as escassas migalhas de prazer oferecidas nesta nossa vida? Se não for melhor, será que temos a força necessária para sofrer retamente e não abandonarmos as nossas decisões? Para todas estas perguntas a resposta é negativa: não, não e não. E o que conseguimos afirmar é que, se não formos ao médico, não podemos nos surpreender por ainda estarmos enfraquecidos. Permaneceremos escravos arrastados pelas forças deste mundo, pois essa é a sensatez que ele nos oferece.

Estamos desempregados e logo queremos um emprego; conseguimos um emprego e logo queremos a folga. Estamos de folga e logo queremos a festa; estamos na festa e logo queremos a cama. Estamos na cama e logo percebemos que precisamos nos confessar; e, depois de decidir viver direito, pecamos de novo. Parece um beco sem saída e uma “ironia do destino” esta natureza corrompida que detesta o que deseja e deseja o que detesta. Mas é por ela estar tão profundamente enraizada em nós que os santos causam abalos igualmente profundos em quem decide dar-lhes um pouquinho de atenção.

Santa Maria Madalena foi um exemplo notável da nossa triste realidade. Ela esteve dividida, puxada por sete demônios, levada a sete direções diferentes. Seus caminhos nunca se faziam retos. Contudo, o Verbo que se fez carne estava pronto para ser seu conhecido, seu amigo e seu amado, amado de um amor invisível, bem ali onde não podem penetrar aqueles que só veem na humanidade os traços da fera e dos instintos. Assim, ao ter contato com o Filho de Deus, ao ver aquele Filho do Homem perfeitamente íntegro, fonte de toda integridade, desponta no interior de Madalena a bruta percepção da imundície em que vivia.

E a própria imundície ninguém gosta de perceber. Ficamos envergonhados, temos medo de que os outros percebam as nossas falhas, as nossas deficiências — quantos não deixamos de nos confessar justamente por esse motivo? É muito doloroso enxergar os próprios males. Mas é o primeiro passo: Madalena chora. Frutos da ação divina, suas lágrimas não são amargas, não são ressentidas como as nossas. Elas são mansas e humildes de uma doçura que se confunde com a loucura, com a mesma loucura usada por Deus para confundir os "sábios" de todas as épocas, a loucura daqueles que ousam utilizar os olhos que têm.

Àqueles que quiserem conhecer um pouco dessa "loucura", os santos estão à disposição. Conheçamos as suas vidas, busquemos nelas a imagem e semelhança de Deus, e vejamos, então, o exemplo continuamente atualizado da ação de Deus no mundo. E se este foi o mundo que os Apóstolos inundaram com as suas vidas, por que não tentamos aprender alguma coisa com a vida daquela que foi chamada “Apóstola dos Apóstolos”?

Jesu medela vulnerum
Spes una poenitentium
Per Magdalenae lacrymas
Peccata nostra diluas

Santa Maria Madalena, rogai por nós.